terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Uma oportunidade como a nossa

Era para ter escrito há dias, mas faltou-me tempo e inspiração. Na Quinta-feira passada, a Rússia foi escolhida para organizar o Campeonato do Mundo em Futebol a realizar em 2018, ultrapassando outros candidatos: Inglaterra, Bélgica-e-Holanda e Portugal-e-Espanha.

Não consegui evitar ficar desiludida com este resultado. Tinha passado os últimos dias em pulgas, com uma vaga esperança de que nos escolhessem. Na Quinta, então, depois de ter apresentado um trabalho às dez da manhã, praticamente não pensei noutra coisa. Como estive o dia todo na Faculdade, não tinha acesso a uma televisão, o único meio que possuia para acompanhar a cerimónia era o meu leitor de MP3.

Já se sabia que, qualquer que fosse o vencedor, a escolha estaria envolvida em polémica. E não nos enganámos: já se fala de possíveis conversas secretas que Vladimir Putin terá tido com os membros do comité e os ingleses querem que se mude o método de escolha.

A votação decorreu entre a uma e as três horas da tarde de cá e durante esse intervalo de tempo estive quase sempre a fazer figas. De tal maneira que, nessa noite, quando estava a ver televisão, sem sequer pensar nisto, quando dei por mim tinha os dedos cruzados. Rezava constantemente, sem destinatário específico, por um resultado a nosso favor. "Portugal e Espanha... Vá lá... Nós temos História, temos prestígio, temos infraestruturas... O outro até disse que podíamos acolher um Mundial no mês que vem..." Nessa altura não o sabia, mas o facto de já termos prestígio e de já estarmos bem equipados, longe de nos ajudar, acabaria por jogar contra nós.

À medida que a hora prevista para o anúncio se aproximava, os meus nervos aumentavam a uma escala exponencial. Tinha aulas teóricas das duas às quatro, mas escusado será dizer que pouca atenção prestei, Que diabo, não é todos os dias que temos a possibilidade de vir a organizar um Mundial!

Quando faltavam quinze minuto para as três da tarde, liguei o rádio do meu leitor de MP3. Até às três, os locutores foram dando curiosidades tais como:


  • Tinham passado 4068 dias desde 11 de Outubro de 1999, dia em que soubemos que o Euro 2004 seria disputado no nosso País.
  • Este será o 21º Campeonato do Mundo
  • Em Zurique estavam presentes mil jornalistas e as câmaras de setenta cadeias de televisão.
Já na altura diziam para termos "cuidado com a Rússia", a "Candidatura Mistério" conforme apelidou Gilberto Madaíl. Confesso que só ao longo desse dia é que considerei a Rússia como uma adversária ameaçadora, tinha mais medo da Inlglaterra. A Bélgica-e-Holanda é que, supostamente, ficariam arrumadas logo deste início. Mas tudo podia acontecer... E afinal de contas, a Inglaterra acabou por ser despachada primeiro.


Muito comentada era a ausência de Vladimir Putin. Se isso afectaria de maneira positiva ou negativa a escolha. Pela parte que me tocava, não percebia o interesse daquilo. Não me parecia plausível que fossem escolher um determinado candidato só porque o Primeiro-Ministro estava presente ou ausente da cerimónia. E ainda acredito que não foi por isso que a Rússia ganhou.

Às três horas, estava à espera de ouvir o anúncio do vencedor a qualquer momento, mas aparentemente a cerimónia nem sequer havia começado. Os locutores da rádio diziam que as pessoas não se sentavam, apesar dos repetidos pedidos para que o fizessem.

Os minutos passavam e os meus nervos aumentavam. As minhas mãos tremiam, o meu estômago andava às voltas, eu mordia os nós dos dedos para não gritar. Os locutores diziam que este atraso não era normal e eu interrogava-me o que é que significaria? Seria bom ou mau? Significaria que a votação estava atrasada? Que não se conseguiam decidir? Nós ainda estaríamos em jogo? Ou já teríamos sido postos de parte?

"Por amor de Deus, despachem-se", rezava eu.

Para passar o tempo, a Antena1 ia entrevistando algumas personalidades que enumeravam os nossos pontos fortes. O que não ajudava.

Tal como não ajudou eles começarem a relatar algum pessimismo reinando na comitiva luso-espanhola. Os locutores aproveitaram esse momento para lembrar que Joseph Blatter não estava muito entusiasmado com a ideia de um Mundial organizado a dois. Deixaram ainda bem claro que uma candidatura não ganharia sem a sua aprovação. Eu interrogava-me se ele poderia recusar um vencedor, mesmo que tivesse sido eleito com toda a justiça. E ia ganhando uma certa raiva ao pobre homenzinho, por isto e por prolongar o meu sofrimento. O optimismo não me ajudava, o pessimismo não me ajudava. A única coisa que me ajudava era saber quem era o maldito vencedor.

Só que ainda tínhamos de esperar mais um bocado, de sofrer mais um bocado. Mais ou menos às três e um quarto até os locutores estavam a ficar nervosos. Que se estaria a passar?

Às três e vinte, a "Marca" anunciou na Internet que os vencedores eram a Rússia e o Qatar (para o Mundial 2022). Ainda gostava de saber como o descobriram. Talvez um dos membros do comité os tivesse informado... Na altura não liguei muito, pensando que seria apenas especulação. Mantive-me fiel à máxima "Até ao apito final". Neste caso, tal como já havia sido dito por outros, o "apito final" era uma metáfora para o anúncio do vencedor.

A cerimónia começou às três e vinte e cinco, mais coisa menos coisa, mas teríamos de esperar uns sete minutos até Joseph Blatter subir ao palco, mais uns dez até sabermos quem ganharia. Nesse momento, reparei que uma rapariga sentada algumas cadeiras em frente a mim tinha o portátil no SAPO. Talvez também  a tentar saber o vencedor. Ao menos não era a única interessada no anfiteatro.

Joseph Blatter subiu ao palco às três e meia, mais ou menos, mas ainda esteve alguns minutos a discursar. Ele é um político, já os locutores o diziam, não podia ser de outra maneira. Só que eu, nessa altura, estava à beira de um colapso com os nervos e só pedia mentalmente "Ó homem, corta-me na retórica e diz quem raio ganhou!"

Ele lá recebeu o envelope e anunciou o vencedor: a Rússia. Minutos depois, anunciaria o Qatar como vencedor da Organização do Mundial de 2022. Mais tarde, saber-se-ia que a Inglaterra havia caído à primeira ronda da votação e que, na segunda ronda, a nossa candidatura obtivera sete votos, ficando em segundo lugar, contra os treze votos da Rússia e os dois da Bélgica-e-Holanda.

- Vamos para novos territórios - afirmou Joseph Blatter, justificando deste modo as escolhas feitas. Ainda no rescaldo, eu pensava que aquilo era o resultado de jogos de bastidores, que a Rússia e o Qatar têm poder económico e nós e nuestros hermanos estamos à beira da falência., que Blatter tinha sido casmurro com aquela das candidaturas a dois. E ainda penso assim. 

O Bruno, um colega meu, disse que a Espanha devia ter concorrido sozinha. Nós é que nunca poderíamos organizar um Mundial a solo, nem nos nossos sonhos mais loucos e muito menos nesta altura do campeonato.

Mas agora vejo que eles vão fazer com a Rússia e com o Qatar o que fizeram connosco. Ou melhor o que a UEFA fez connosco. A FIFA está a dar uma oportunidade a países relativamente sem grande História futebolística (eu nem sequer tinha ouvido falar do Qatar antes!) e sem grande tradição na organização de eventos desportivos.

Nós já tivemos a nossa oportunidade e, apesar de muitas (mas mesmo muitas) coisas terem sido mal feitas, acho que não a aproveitámos nada mal. A Espanha também já organizou um Europeu e um Mundial, mas acabou por perder mais já que já antes havia perdido a Organização do Euro 2004 e dos Jogos Olímipicos de 2012. Nós já acolhemos o Europeu à bem pouco tempo, não nos podemos queixar de que ninguém-gosta-de-nós. E sinto-me grata por, na minha curta existência, já ter tido um Campeonato Europeu no meu País, por ter tido idade suficiente para o recordar (apresar de não a ter tido que chegue para o valorizar na sua totalidade). Por ter tido oportunidade de assistir a um jogo, de festejar nas ruas e de ter ido atrás do Autocarro na Selecção no dia da final.

Os mal-dispostos crónicos do costume, aqueles que se queixam constantemente da nossa medíocridade sem mexerem uma palha para mudar a situação, vieram dizer que o facto de não termos conseguido é uma vitória e merece ser comemorada. O trabalho de não sei quantas pessoas, não sei quantos portugueses, não ter dado em nada merece ser comemorado... Dizem que ainda hoje pagamos a conta do Euro 2004.  Até têm razão neste último aspecto. É, de facto, uma pena estádios como o do Algarve e o de Aveiro não serem melhor aproveitados. Mas também ainda hoje usufruímos do prestígio que ganhámos com o Europeu.

Gilberto Madaíl e os restantes responsáveis da Federação podem ter muitos defeitos, podem ter cometido muitos e graves erros nos últimos tempos, mas ao menos tentaram fazer alguma coisa para elevar o prestígio de Portugal aos olhos do Mundo. Mesmo que fosse uma insignificância comparado com Espanha. Mesmo que fosse "apenas" futebol. Ao menos tentaram desafiar o Destino, contrariar os rótulos que tantas vezes colocamos sobre o nosso País e respectivo povo. Como diria Fernando Pessoa, "Louco, sim, louco, porque  quis grandeza/Qual a Sorte não a dá". E por isso merecem o meu sincero agradecimento.

Esta não será a última oportunidade que tivemos, se Deus quiser. Ainda haverá muito Mundial a precisar de um anfitrião ou anfitriões. Espero, portanto, que seja considerada a hipótese de tentarmos de novo. Mas, a acontecer, será num futuro distante. Pode ser que, nessa altura, estejamos melhor em termos económicos e financeiros (vai sonhando...) e que tenhamos já no currículo um ou outro título... Nunca se sabe...

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